quarta-feira, setembro 26, 2012

Uma fábula...ou talvez não!


   Um rato asqueroso, percorre no seu passo nervoso o monte de lixo urbano que a noite negra vai encobrindo. Os seus olhinhos piscos varrem as trevas procurando perigos. Pressente-os mas não os vê. Está só, desesperadamente só, não lhe resta nenhum dos outros ratos do bando - supostamente tão seus amigos - que sob sua alçada se foram alegremente juntando enquanto roíam todos os bons bocados  que lhes fora fornecendo. E onde estão as baratas tontas que aos milhares o seguiam escutando e repetindo, deliciadas, os gritinhos que soltava enquanto rebolava satisfeito em orgias de poder e ganância? Nem sombra. À sua volta apenas lixo, formando silhuetas que a noite densa transforma numa potencial ameaça. Nem o seu corpo especial de ratazanas, que julgara fiéis o acompanham. Tudo se desmorona à sua volta e é demasiado cobarde para enfrentar a consequência das suas acções. É um rato asqueroso. Serviu-se e serviu os grandes inimigos do seu povo, os  grandes e poderosos gatos e tem medo, muito medo. Sabe que aqueles a quem serviu nada querem com ele agora que não lhes é mais útil, pior, sabe que é um escolho que urge varrer para que nada disto se saiba. Sabe que no mundo dos ratos nada se perdoa. Um rato que cai é devorado pelos outros ratos. 
     Correr é o que lhe resta, para longe de tudo e todos. Disse um dia que todos os que o criticavam eram "piegas", agora vê-se como um cobarde fugindo para nunca mais voltar. Coisas que acontecem - dirá quem me lê - aos que abusam da sorte. Mas para o aflito rato asqueroso a vida não está para morais. Corre loucamente à procura de segurança e esquecimento. O que ontem era  um caminho aberto para o céu, hoje é apenas um negro abismo sem retorno. Onde pára o tal Triunvirato a mando dos Gatos que vinha para nos (a eles)ajudar a sobreviver? Tinham imposto tudo o que lhes aprouve e mais um par de botas, a tudo tinha acedido prontamente, até tinha acrescentado uns pozinhos de sua lavra para mostrar a sua fidelidade. Porque então o abandonam agora, que tanto precisa de ajuda? Os ratos é que abandonam os barcos que afundam, nada se conhece nesses casos sobre gatos.
    Ouve-se ao longe um tropel que se aproxima, vozes, gritos, a noite atrás de si enche-se de clarões, não, são faróis, luzes que perscrutam a noite à sua procura - de certeza - o seu pequeno coraçãozinho bate a torto e a direito sem querer saber de ritmo nem compasso, sente o pânico a invadi-lo como uma grande onda que o afoga, já não pensa, já não vê, corre às cegas sem noção do destino nem do trilho e de repente o chão foge-lhe debaixo dos pés e cai, cai, cada vez mais depressa, mais depressa, o cérebro desliga, já não sente nada quando se esmaga feito pasta sangrenta contra as pedras que tapam a entrada do esgoto por onde pretendia fugir. 
    A traição paga-se caro, poderá ser a conclusão desta espécie de fábula, mas há gente que nunca aprende. Assim como há quem não saiba que quem cala consente, e que quem consente que ratos asquerosos continuem no poder a roubar tudo e todos não é vítima, é cúmplice.
    Mas como diria Warezoog, filósofo que não conheço mas que respeito muitíssimo, "nada impede que alcancemos a felicidade a não ser fazermos muito pouco por isso, pois é nessa procura constante que nos realizamos". Eu próprio não diria melhor. 

O vosso

Redfish

quinta-feira, setembro 13, 2012

Vamos à luta! Vamos todos dizer não


Não

Não é tempo para lamúrias e lutos e queixas e fugas; é tempo para revoluções. E não podemos levar de novo cinquenta anos a fazer uma revolução. Não pode ser, não é uma opção; porque dentro de cinquenta anos já não existirá nada por que valha a pena lutar. Temos que começar agora, e já vamos atrasados. Afinal, uma revolução até é simples de se fazer; basta começar por dizer “não”. Dizer “não”, e depois gritar “não”; ir repetindo e gritando, sempre “não”, e acreditar que se muitos dissermos “não”, será mesmo “não”. É quanto basta para começar uma revolução. E há que começar já, porque estamos fartos.
Estamos fartos de quem nos rouba a esperança, estamos fartos de ter medo e de fugir e de recear o futuro, estamos fartos de estar quietos, estamos fartos de egoísmos e de gente que vai andando com as vidinhas às costas sem olhar para o mundo que ao lado se desmorona, estamos fartos de nos acomodarmos, estamos fartos de mercados e raitings e troikas e juros e merkels e privatizações e neoliberais e aumentos de impostos, estamos fartos de ser tratados como imbecis, estamos fartos de gatunagens e humilhações, estamos fartos de quem diz que direita e esquerda é a mesma coisa, estamos fartos de fado e tourada e futebol e de todas as outras distracções de regime, estamos fartos de jotas, estamos fartos de sofrer porque não sabemos o que vai ser dos nossos filhos, estamos fartos que nos digam que não vale a pena lutar e protestar e recusar, estamos fartos de quem nos quer ver transformados num povo de burros e atrasadinhos e resignados e subservientes, estamos fartos de pobreza e miséria e de quem diz que esse é o nosso destino inevitável, estamos fartos de passados gloriosos e história e saudosismo e de dão sebastiões, estamos fartos de quem nos quer fazer acreditar que ter um emprego é um privilégio e um luxo, estamos fartos de já não conseguirmos arranjar motivos para rir, estamos fartos que dêem cabo dos serviços públicos de educação e saúde e televisão e dos outros todos, estamos fartos de não ter dinheiro para a gasolina, estamos fartos da ausência de ética e de solidariedade das elites, estamos fartos de comentadores e economistas e de todos os outros que nos negam o direito de acreditar em utopias, estamos fartos de não nos sentirmos livres, estamos fartos de quem tem medo da palavra revolução, estamos fartos de ser fodidos dia após dia após dia. 
Estamos fartos. Ou não, será que estaremos? Quem se calar talvez ainda não esteja, talvez aguente mais um bocado; que aguente, então. Mas quem estiver farto que diga “não”, que grite “não”, que escreva “não”. Que acredite que cada “não” dito, gritado ou escrito faz alguma diferença e que é à junção solidária de tantos “nãos” que se chama revolução. 
Agora, as ruas irão encher-se de gente, alguma silenciosa e outra que dirá “não”. Por lá andarão, certamente, muitos dos 4035539 cidadãos portugueses que nas últimas legislativas não se deram ao trabalho de votar, por certamente estarem ocupados com coisa bem mais importante; por lá andarão muitos dos 793508 cidadãos portugueses que, como eu, votaram num partido de esquerda; por lá andarão muitos dos 1568168 cidadãos portugueses que votaram no PS, que não sendo bem de direita, de esquerda certamente não será; por lá andarão muitos dos 413189 cidadãos portugueses que votaram num daqueles partidos de que nem sabemos bem o significado da sigla mas que são tão importantes como todos os outros; por lá andarão alguns dos 2813729 cidadãos portugueses que votaram nos partidos do governo e entretanto se arrependeram. Por lá andaremos muitos de nós; e a revolução começará assim: dizendo “não”. 

Paulo Kellerman