terça-feira, janeiro 29, 2013

O dia em que recordei o futuro!


 Saí de casa como quase sempre, sem grande vontade e sítio para ir que a fomente, a perna esquerda a pedir licença à direita para avançar num arrastar de pés conveniente, digno da condição de autómatos em que sossegadamente nos vamos tornando. Era um dia cinzento e magro, dia típico destes tempos pós Troika que vamos vivendo(?). Cruzei-me com os rostos fatigados de rotinas do costume, estranhos do dia a dia que nos habituamos a ignorar, como Deus manda. 
  Normalmente bica e periódico iniciam o périplo diário de qualquer português que se preze de o ser. O banquete de horrores pimba que é o CM deixa qualquer cristão retorcido, quanto mais a mim que sou um analfabeto religioso sem credo e pouco enfezado para o que é uso na minha idade. Uns quantos assassinatos e outros tantos acidentes, quedas de prédios, roubos e incêndios, umas declarações patéticas de governantes para palerma ler, comentadores à direita da direita  para esta usar e deitar fora, artistas mamalhudas e casadoiras que se refastelam em fotografias supostamente sexy sobre notícias do seu suposto noivado com o jogador suplente do clube de qualquer lado que é pai da filha de outra actriz atroz que deixou para trás e agora está na Casa dos Segredos a enroscar-se num segurança que se inscreveu no concurso porque precisa de dinheiro para pagar a depilação a laser que a noiva traída, frente à televisão, se  arrepende em lágrimas amargas, o tê-lo incentivado a fazer....ufff! Pois.
  Compraz-me ver outros a fumar. É um vício muito mais barato e dá o mesmo relaxe e tempo para pensar.
Um palerma que se preza em ser palerma a seguir vai trabalhar para poder pagar aos bancos o dinheiro que eles desbaratam em jogos de bolsa e reformas chorudas de banqueiros e amigos. Há os palermas em part time que nem trabalho têm e que são assim como que lixo para os tais banqueiros, pois além de não pagarem nada ainda têm a distinta lata de receber um niquinho do que aos senhores (caritativamente) é devido.
  Pois não rezam as crónicas que vivemos a cima das nossas possibilidades? Aí eu faço um enorme esforço com os poucos neurónios que ainda não queimei com antidepressivos e litros de álcool marado  e tento recuperar a memória desses tempos  supostamente esbanjativos em que eu e os meus, em orgias de gozo e luxúria demos cabo da economia nacional. Escorrego por caminhos imaginários em direcção ao passado, tal como Alice na terra das Maravilhas caio por buracos onde cresço e minguo até cair no mar das minhas possibilidades ultrapassadas, mas esbarro numa parede de betão armado (em carapau de corrida) com letreiros elucidativos que me informam que esses conteúdos foram retirados do programa - "Tivesses pensado nisso na altura" - e traumatizado pelo esforço e pela pancada quase desisto e me rendo à evidência.
  Mas...há sempre um mas, felizmente, rebate de consciência, más companhias ou qualquer coisa igualmente perversa ou subversiva que me impedem de ser tragado pelo esgoto laranja que nos cerca e limita e fujo em direcção às minhas memórias, agora libertas de escrúpulos morais e condicionamentos servis, e vejo apenas uma família pacata, quatro humanos e uma gata quase humana, dois ordenados, uma casita e um carro, um televisor e uma hi-fi e tento descortinar onde esbanjei eu as fortunas de que me acusam? Será por ter as garotas a estudar? Eu sei que para este governo a educação é um luxo exorbitante, mas não sei, será este o caso? Ou será por comprar livros e jornais? Outro luxo, evidentemente, mas porra, não eram assim tantos. A vida ensina-nos, contudo, a tentar compreender que nem todos entendem que para lá do futebol e da missa ao Domingo há outras coisas e desejos, há mais mundo para lá das estreitas paredes duma mente moldada ao sucesso pintado com as cores do sucesso neoliberal e a liberdade segundo a Opus Dei.
   Pois bem, nesse dia cinzento e magro, não fui à bica. Contrariamente ao habitual, dirigi-me ao primeiro estranho com que me cruzei, cumprimentei-o e curiosamente ele sorriu-me e cumprimentou-me por sua vez. Falámos um pouco e combinámos encontro. Outra pessoa chegou entretanto e estranhando ver-nos em tão amena cavaqueira ( porra de palavra, desculpem) conversa, logo se nos juntou e aos poucos éramos já alguns trocando ideias e falando da vida. Experiências diferentes, caminhos diversos e sonhos cada um sabe dos seus, mas o mesmo desejo  de ser feliz e vivê-los em paz. Marcámos encontro: Dia 2 de Março, na Fonte Luminosa. Cabem lá muitos mais. Desde que venham por bem. Pelos nossos sonhos e pelos dos nossos. Até lá, abreijos.

 Redfish