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Enquanto há tempo de ler, 2 poemas de Alberto Pimenta.
35 anos depois, tão infelizmente actuais!
Dísticos
dizes:
eu é que sei quais são os interesses de todos.
e não sabes
que todos sabem também quais são os teus interesses?
dizes:
essa forma não se ajusta às nossas necessidades.
eu registo:
continuas usando o plural majestático
dizes:
eu quero a paz.
sim acredito.
já seria altura de gozares
o que ganhaste na guerra
dizes:
é necessário construir o futuro.
agora compreendo porque afundas o presente:
para lançares os alicerces
dizes:
é preciso distinguir o bem e o mal.
admites portanto
que eles podem confundir-se
dizes:
as oportunidades são as mesmas pra todos.
tens razão:
nada se alterou
dizes:
o que eu faço é bom.
dizes:
o que eu faço é para teu bem.
eu digo:
há quem nã esteja contente contigo.
tu dizes:
cala-te.
permeabilidade
os cegos dizem: veremos
nós vemos e calamo-nos
os mudos gesticulam.
nós temos as mãos nos bolsos.
os surdos põem a mão em concha.
nós tapamos os ouvidos.
Alberto Pimenta in "CORPOSESTRANHOS" , Setembro 1973
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